08 junho 2014

Colocar a chaleira no fogo

"Josielma Ramos"

Era uma manhã de setembro, olhei pela janela e a chuva caia preguiçosamente, calcei meus chinelos e andei lentamente até o fogão, coloquei a chaleira no fogo e esperei a água esquentar enquanto continuava a olhar pela janela, de repente ouvi uma batida em minha porta, o que era estranho já que sempre consigo ver da janela quando alguém passa, e naquele momento ninguém havia passado, mesmo assim fui em direção à porta e a abri, para minha surpresa e total espanto não havia ninguém lá, apenas um gato pardo e gordo, nunca fui muito fã de gatos, então fechei a porta depois de dar mais uma olhada em cada direção e me certificar que não havia mesmo ninguém por ali, malditas crianças, é com certeza deviam ser as crianças dos vizinhos tentando me pregar uma peça.
A chaleira apitou, corri até o fogão e a peguei, preparei as minhas ervas dentro da minha xicara favorita e preparei o meu chá, nos poucos instantes antes de levar a xicara a boca alguém batia na porta novamente, larguei meu chá em cima da mesa e fui até a porta, mais novamente não havia ninguém lá, teria que ter uma séria conversa com os pais daquelas crianças, enquanto eu olhava para os dois lados da viela o gato pardo e gordo que ainda estava na minha porta, entrou correndo para dentro da minha casa passando por debaixo das minhas pernas, sentou-se na minha cadeira e ficou a me encarar, que gato mais doido eu pensei.
_Sai, passa, xó_ Eu disse com a porta aberta apontando para a rua, esperando ele sair, ele apenas continuou a me encarar com aqueles olhos vermelhos assustadores.
_Vamos, vai embora, eu não gosto de gatos, nada contra você, só que eu prefiro cães_ Eu disse para o gato, eu devia estar a beira da loucura pois podia jurar que ele me olhou de uma maneira não muito comum em gatos e também por estar falando com um gato, depois de um momento percebi que ele não iria sair, então desisti de o expulsar não sei bem o porque, simplesmente fechei a porta, peguei minha xicara de chá e me sentei na cadeira do outro lado da mesa, ele me encarando e eu encarando ele, em nenhum momento o bichano miou ou desviou o olhar, ele ficou lá na minha cadeira apenas parado me olhando com aqueles profundos olhos vermelhos de aparência maligna.
_O que você está olhando? Deve achar que eu sou doido por falar com você né? Pois saiba que não sou_ Mais ao mesmo tempo eu falava para mim mesmo, se não sou doido porque deixei ele ficar e ainda continuo falando com ele?
Esse gato era muito estranho, será que ele sentia fome, talvez fosse isso, fui até minha geladeira e enchi um pires de leite, coloquei no pé da cadeira, ele desceu, bebeu e assim que terminou lambeu os bigodes, voltou a subir na cadeira e a me encarar.
_Só pode ser brincadeira né, seu gato doido, muito bem está na hora de ir embora_ Fui até a porta e a abri, e para minha surpresa o gato se levantou e saiu, simples assim foi embora, agora eu estava livre dele, pelo resto do dia nenhuma batida na porta e nem vi mais aquele gato.
Na noite daquele mesmo dia de setembro sai para jantar com alguns amigos, bebemos um pouco, nos divertimos, ouvimos música em um barzinho e depois fomos para casa, cada um para a sua, viro esquina, entra esquina e quando entro na viela onde fica minha casa, quem cruza meu caminho? O maldito gato pardo e gordo, bem que minha mãe sempre dizia para nunca alimentar animais, senão eles nunca mais te deixam em paz, eu continuei caminhando em direção a minha casa e o gato continuou lá, bem no meio da viela me encarando enquanto eu me aproximava, quanto cheguei perto do gato, ele não me deixou passar, começou a caminhar de costas sem tirar os olhos de mim, será que estou mesmo louco eu pensei, um gato andando de costas, ele andava lentamente, fantasmagoricamente, só posso estar louco mesmo, resolvi ignorar aquele gato, passei sem olhar para ele, corri até a minha porta, peguei a chave e abri, entrei respirando fundo, estava a salvo daquele gato doido, estava cansado então me preparei para ir dormir, depois que me joguei na cama, droga sonhei com o maldito gato, só pode ser brincadeira, aqueles olhos, aqueles malditos olhos vermelhos, me encarando, me engolindo, me consumindo, acordei pingando de suor, senti algo escorrendo do meu nariz, era sangue, levantei e fui até o banheiro.
_Droga, mais que susto_ O maldito gato estava sentado em cima do vaso sanitário_ Como você entrou aqui? Por que fica me encarando? Está me julgando? Julgando meus pecados? Não é minha culpa se Lílian morreu daquela maneira, é verdade que se eu realmente quisesse se realmente tivesse tentado eu a teria salvo, mais não pude fazer isso, estava com raiva, ela havia me traído, estava apaixonada por outro, isso eu não podia aceitar, ela era minha, o amor da minha vida, havíamos feito promessas, promessas que não se quebram assim da noite para o dia, sim eu a deixei morrer.
Era isso que aquele gato tanto julgava com aqueles imensos olhos vermelhos demoníacos, no fundo pareciam um pouco, sim pareciam com os olhos de Lílian, mais não podia ser, ela devia ter voltado para me buscar, eu já sabia o que ela queria.

Aquela noite era fria, mais mesmo assim caminhei para o ponto de John, descalço e sem agasalho, o mesmo lugar onde eu havia permitido sua morte prematura, no mesmo lugar em que permiti que suas lembranças caíssem no esquecimento, o mesmo lugar em que minha doce Lílian teve seu fim, mais a verdade é que o fantasma de sua presença era constante até no perfume do meu travesseiro, foi com essa lembrança de seus longos cachos negros, de seus lindos olhos castanhos, de sua pele branca e do perfume, ah aquele perfume no meu travesseiro, foi com todas essas lembranças que me deixei cair pelo ponto de Jonh, um lugar de encontros românticos as escuras e de separações, e agora talvez de um reencontro de amores perdidos, de almas perdidas.

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